A decisão da Latam de adquirir até 74 aeronaves Embraer E195-E2 movimentou o setor aéreo brasileiro e internacional. O contrato, anunciado na última semana, marca não apenas a renovação da frota da companhia, mas também uma mudança estratégica que promete alterar a dinâmica da aviação regional no país.
Renovação necessária

Hoje, a Latam ainda opera com 39 Airbus A319, sendo 18 no Brasil. Esses modelos, com média de 17,3 anos, são usados principalmente em rotas de menor demanda, mas já não são mais produzidos pela Airbus. Para substituí-los, a companhia escolheu o E195-E2, configurado com 136 assentos, próximo à capacidade dos A319.
Como solução temporária, parte dos jatos atuais passará por reformas para prolongar sua vida útil até a chegada dos novos aviões. Os primeiros E2 com as cores da Latam devem estrear em 2026.
Um “intruso” na frota
A escolha pelo modelo brasileiro quebrou a estratégia de “comunalidade” que a Latam vinha mantendo com a Airbus em voos domésticos e de curta distância. Caso tivesse optado pelo A220, a adaptação de equipes e manutenção seria mais simples, já que a empresa já opera A319, A320 e A321.
Com o E195-E2, haverá necessidade de treinamentos adicionais e ajustes operacionais. O fator decisivo para a Embraer, contudo, foi o prazo: a Latam espera receber entre 11 e 16 aeronaves já em 2026, algo que a Airbus não poderia garantir.
Expansão de rotas regionais
Segundo o CEO do grupo Latam Airlines, Roberto Alvo, os novos jatos permitirão a abertura de 35 destinos na América do Sul. No Brasil, as primeiras cidades a receber a aeronave serão São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza e Porto Alegre, de acordo com o CEO local, Jerome Cadier.
A definição das rotas deve ocorrer nos próximos seis meses, com início das operações em cerca de um ano. A empresa também discute incentivos fiscais sobre o combustível de aviação para viabilizar a expansão em cidades menores.
Confronto direto com a Azul

A Latam avança justamente sobre um espaço até então dominado pela Azul, única operadora de jatos Embraer no Brasil. A empresa de Campinas, que atravessa recuperação judicial, já abandonou mais de 15 destinos regionais e reduziu voos em mais de 50 rotas, abrindo espaço para a concorrente.
A disputa deve ir além do território. Com a mesma configuração de 136 assentos e sem a poltrona do meio, a Latam equipara o conforto oferecido pela Azul, que antes explorava essa exclusividade como diferencial. Agora, resta saber como cada companhia ajustará o produto de bordo para conquistar passageiros.
Vitória da indústria nacional
O contrato, avaliado em US$ 2,1 bilhões pelas 24 aeronaves já confirmadas, pode ultrapassar US$ 6 bilhões caso todas as 74 unidades sejam adquiridas. Para a Embraer, trata-se de um dos acordos mais relevantes de sua história recente, reforçando sua resiliência após o fim das negociações de venda para a Boeing.
Além disso, o fato de uma companhia brasileira optar pelo E195-E2 fortalece a imagem da Embraer no mercado internacional, funcionando como uma espécie de selo de confiança.
Papel do governo
Embora nem a Latam nem a Embraer tenham mencionado oficialmente, declarações de autoridades sugerem que o governo federal teve participação na negociação. O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, citou o Fundo Nacional de Aviação Civil como possível instrumento de apoio.
O BNDES também sinalizou disponibilidade para financiar as aquisições. Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente participaram de encontros anteriores com executivos da Latam, indicando articulação política no processo.
O próximo passo da Embraer
A operação reacende discussões sobre uma possível entrada da Embraer no mercado de aviões de médio porte, competindo com o Airbus A320 e o Boeing 737. A fabricante admite ter capacidade técnica, mas afirma que, por ora, seu foco é comercializar os modelos atuais.
Ainda assim, diante da crise de confiança em torno do 737 MAX, analistas avaliam que pode haver uma oportunidade inédita para a Embraer disputar espaço com os gigantes do setor.